quarta-feira, 18 de abril de 2012

Una Carta a Don José!

Chegou então a hora de acordar. Chegou o momento que eu estava temendo e evitando, mas enfim, meu avô, é hora da despedida.
Sei que fizemos tudo que foi possível, sei que em nenhum momento houve fraqueza ou qualquer coisa que se assemelhasse com desistência. Lutamos por ti e contigo bravamente, até o último suspiro. Vô, tu foste um herói, um guerreiro imbatível nesta luta árdua, nós fomos soldados ao teu lado (e a Talita um coronel apaixonado).
Não sei por onde começar a prosseguir. A todo o momento me lembro de que nunca mais vamos tomar mate juntos, nunca mais vou ouvir com atenção o teu silêncio amigo e cúmplice, nunca mais vou ir à toca da coruja contigo, nem vou sair do galpão aos gritos: Vô, aperta a cincha prá mim. E o nunca mais, vô, dói tanto, mas tanto que não cabe em mim.
Foste o homem que eu queria ter sido, caso não houvesse nascido mulher. Foste um homem dos arreios, entendido de domas, de mates e de tragos. Foste um homem das armas, ligeiro e de mira precisa. Ouvi por aí que foste o melhor com teu 38. Foste ruim em alguma coisa, vô? Não creio. Foste um bom amigo, conselheiro, ouvinte. Paciente ao ensinar aos três netos o destino das encilhas, o lugar de cada coisa no galpão, o segredo do bom mate... Foste um contador de história como nunca tive notícia, e tivestes uma variedade de causos que, sendo um relato por dia, te sobrariam muitas coisas para passar adiante. E agora, vô? Quem vai me contar o que não deu tempo de ouvir de ti? E quem vai ser para os meus filhos e os do meu irmão e os da Talita o que tu foste prá nós?
Vamos nós, contar aos nossos filhos que na revolução de 30 tu fugiste para o mato com os cavalos da estância (criança, ainda), vamos contar da primeira vez em que andasse de trem, vamos contar que teu relógio de bolso funcionou 70 anos sem parar (que compraste ele de um mascate) e que parou dois ou três dias antes de partires. Vamos contar a eles sobre o homem digno, honesto, divertido e bem humorado que fostes. Que usavas calças, invés de bombachas, só em ocasiões que exigiam muito, que fazias trimtrim com as esporas, que coçavas a barba e dizias: Pero amigo... Serão tantos e tantos detalhes de ti prá passar adiante, que merecias fazer isso tu mesmo,
Me deixaste dois homens de quem muito orgulho, homens que são meu suporte e força inclusive agora que te perdemos. Vejo no meu pai e no meu irmão a continuação dos teus sorrisos silentes, da tua calma e paz de espírito, a tua eficiência em fazer as coisas com mais sabedoria e menos pressa. Eu sei que, com eles ao meu lado, nada nunca pode me abater. Tenho também o Adriano, que em muito se assemelha a ti, aliás. Não tenho medo da vida que está por vir. Te vejo no pai, cada vez que ele sai prá fora e volta cheio de encomendas. Eu sei que um pedaço de ti ficou. E que vai permanecer. Então eu to segura.
Nós vamos ficar fortes, vô, como tu nos ensinaste a ser. Vamos pelear ao longo da vida com a mesma bravura que tu e vamos perseverar como tu gostarias de ter visto. Seremos mulheres e homens de bem, dignos de carregar teu nobre nome e vamos, com orgulho, repassar tudo que nos ensinaste.
EU SEI que agora estou sob a vigília de três homens que amei com afinco (além de ti, o vô Rubens e o tio Adolfo) e da vó Maria. E eu prometo alegrar os dias dessas “véias” que ainda estão comigo, ainda que eu precise buscar forças em vocês. Eu também sei que meus dias serão mais tristes agora que não te tenho mais nem em feriados e finais de semanas, mas sei que não vou fraquejar. Nem eu, nem nenhum dos nossos, por que não é oque esperas de nós.
Vou sentir falta das nossas conversas, um pouco em castelhano, um pouco em português, mas sempre tão fluentes. Vou sentir falta dos nossos mates com pipoca. Vou sentir falta dos teus olhos claros me dizendo tudo que precisava saber.
Que te vayas con Dios, mi abuelito. Que los rodeos de allá sean tan buenos como los de acá. Hasta lo rencuentro, se Dios quiera y nos dejé la policía.

2 comentários:

  1. Fico de boca aberta como usas, de forma coerente e bela, as palavras Xuxu, até num momento de tristeza e saudade.
    A dor talvez um dia adormeça, mas o vazio é pra sempre neh.

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  2. Grazi.. simplesmente me vi em lágrimas com tuas palavras,
    muito lindo, é uma pena que regado a dor da perda..
    te digo que a saudade não passa, mas com o tempo amadurece.
    Pessoas como teu avô não se vão completamente, se eternizam
    no exemplo de dignidade, de respeito, de gaúcho, de homem..
    Acredito que o mais importante é feito em vida de uma pessoa,
    e tenho certeza que foi feito tudo, pois vcs sempre foram muito carinhosos e
    dedicados.
    Meus sentimentos.
    Grande beijo.

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